segunda-feira, 21 de julho de 2025

"DO INCONVENIENTE DE TER NASCIDO" DE EMIL CIORAN - BREVES CONSIDERAÇÕES



Por: Cleiton Jesus Matos
Discente | Filosofia | UESB


Neste dia nublado de segunda-feira, convido o leitor(a) a refletir sobre a condição humana: 

A visão filosófica de Emil Cioran sobre a vida é predominantemente negativa, considerando-a um fardo repleto de dor e sofrimento, onde o nascimento é visto como um crime. Ele acredita que a morte é um alívio e um bem, representando a libertação do tormento da existência. Para Cioran, a vida é um estado contínuo de pesadelo, enquanto a morte oferece a possibilidade de escapar desse sofrimento. 

Nesse sentido, fazendo uma “recordação” dos amigos que morreram, o filósofo romeno, escreve o seguinte no livro o inconveniente de ter nascido: “Penso em inúmeros amigos que já não estão vivos, e apiedo-me deles. Porém, não há assim tanto motivo para os lamentar, pois eles resolveram todos os seus problemas, começando pelo da morte. ” (CIORAN, 2010, p. 21). 

Quando ele diz que "não há assim tanto motivo para os lamentar", isso revela uma perspectiva resignada, quase cínica, sobre a condição humana. Para Cioran, a morte, longe de ser um fim trágico, é a solução definitiva para todos os dilemas existenciais, especialmente o próprio fardo de estar vivo e consciente.

Ao longo do livro, Cioran reflete sobre a solidão e a alienação do ser humano, ressaltando o desajuste entre o indivíduo e o universo. Ele vê as aspirações humanas: amor, progresso, arte e religião como tentativas inúteis de preencher o vazio existencial. Para Cioran, a busca por significado é uma ilusão, e a única postura possível é aceitar o absurdo da vida com ironia e de acordo com isso ele escreve o seguinte aforismo:

Ao longo dos séculos, o homem fez tudo o que estava ao seu alcance para acreditar, andou de dogma em dogma, de ilusão em ilusão, e consagrou muito pouco tempo às dúvidas, breves intervalos entre os seus períodos de cegueira. A bem dizer, não se tratava de dúvidas, mas sim de pausas, momentos de descanso, que se sucediam às fadigas da fé, de qualquer fé. (CIORAN, 2010, p. 95).

Nesse aforismo, percebemos uma crítica incisiva de Cioran sobre à tendência humana de buscar certezas, mesmo às custas da razão ou da lucidez. Segundo ele, a história da humanidade é marcada por uma peregrinação de crença em crença, onde dogmas e ilusões são adotados para fornecer um sentido à existência. Contudo, esses momentos de fé são movidos mais por uma necessidade emocional do que por uma busca genuína pela verdade.

Cioran enfatiza que o homem dedica pouco tempo às dúvidas, pois duvidar exige coragem para confrontar o vazio e o incerto. Os momentos de ceticismo, descritos como "pausas" ou "descansos", não são necessariamente reflexões profundas, mas apenas intervalos entre as exaustivas investidas em novas certezas. A dúvida, em vez de ser um estado contínuo e produtivo, torna-se apenas um alívio temporário antes que o homem volte a se agarrar a outra crença.

Nesse sentido, a frase evidencia o paradoxo da condição humana: por um lado, buscamos sentido em dogmas e ilusões; por outro, somos incapazes de suportar por muito tempo o peso da dúvida radical. Cioran não apenas questiona a validade das crenças humanas, mas também sugere que a nossa insistência nelas é uma forma de cegueira voluntária, um afastamento do confronto honesto com o absurdo e a complexidade da existência.

Em síntese, podemos dizer que a filosofia de Emil Cioran nos confronta com uma visão profundamente crítica e desafiadora da existência humana. Para ele, a vida é um ciclo de ilusões e tormentos, onde o nascimento é uma imposição cruel e a morte, uma libertação inevitável. Sua análise da busca humana por significado revela um paradoxo intrínseco: somos atraídos pelas certezas dos dogmas e crenças, mas raramente enfrentamos a dúvida com coragem e profundidade.

Cioran destaca o vazio das aspirações humanas e a fragilidade de nossa condição, convidando-nos a aceitar a vida como um estado de absurdo e transitoriedade. Longe de oferecer consolo, ele nos desafia a encarar a existência com ironia e lucidez, reconhecendo que as respostas que buscamos frequentemente não passam de paliativos para uma verdade incômoda: a de que a vida, em última análise, não tem um propósito intrínseco. Essa postura filosófica, embora sombria, serve como um convite à reflexão e ao confronto honesto com os limites da condição humana.

Tremedal-BA, 21 de julho de 2025


REFERÊNCIAS

E. M. CIORAN. Do inconveniente de ter nascido, Lisboa: Livraria Letra Livre, 2010.


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