Por: Cleiton Jesus Matos
Discente | Filosofia | UESB
A doutrina da Trindade é, sem dúvida, uma das mais complexas e fundamentais do cristianismo. Entre todos os pensadores cristãos da Antiguidade, Santo Agostinho foi quem fundamentou e formulou da melhor maneira, a ponto de influenciar todo o Ocidente. Sua obra A Trindade (De Trinitate), escrita ao longo de dezesseis anos (entre 400 e 416), representa o ápice de sua maturidade teológica e filosófica. Nela, Santo Agostinho não apenas reafirma a fé cristã na Trindade, mas também a explora com rigor intelectual, articulando fé e razão de uma maneira admirável até para aqueles que não são religiosos como é o meu caso.
Santo Agostinho parte do pressuposto de que Deus é um só, mas trino em pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. Este mistério, podemos dizer incompreensível em sua totalidade, é, para ele, digno de investigação, pois a fé que crê deve buscar entender. Essa é uma das ideias centrais de sua teologia: praecedit fides, sequitur intellectus (A fé precede o entendimento). Como ele afirma logo no início de sua obra: “A fé busca, o intelecto encontra, mas este deve ser puro, pelo amor, da curiosidade, e a fé deve ser verdadeira, por causa da inteligência” (AGOSTINHO, 2011, I, 8, p. 68).
A obra se divide em duas partes: os primeiros sete livros possuem forte fundamentação bíblica e visam afirmar a unidade de Deus nas Escrituras. Já os livros de VIII a XV assumem um caráter mais filosófico e especulativo, no qual Santo Agostinho se volta ao interior da alma humana para encontrar analogias da Trindade. A busca por tais analogias, porém, não pretendem explicar a Trindade de forma exaustiva. Ao contrário, o objetivo é conduzir o “fiel” à contemplação do mistério divino e fortalecer sua fé. Portanto, eu julgo que a referida obra deveria ter por parte dos homens de fé, uma grande visitação.
Continuando no contexto da Trindade, Santo Agostinho entende que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são distintos entre si, mas coiguais e coeternos, compartilhando a mesma essência divina. Como ele mesmo escreve:
Assim, o Pai é Deus, o Filho é Deus, o Espírito Santo é Deus. Não são três deuses, porém um só Deus. Do mesmo modo, o Pai é grande, o Filho é grande, o Espírito Santo é grande. E não são três grandes, porém um só grande. [...] Cada um deles é Deus, cada um deles é grande; contudo, não por serem três, mas por serem um só Deus é que são grandes e são Deus. (AGOSTINHO, 2011, V, 9, p. 201).
Com esse cuidado de linguagem e teologia, Santo Agostinho evita dois grandes erros: o triteísmo (que veria três deuses) e o modalismo (que nega a distinção entre as pessoas divinas). Sua doutrina, ao contrário, defende que as pessoas são distintas pelas relações que possuem entre si: o Pai gera, o Filho é gerado e o Espírito Santo procede. Na perspectiva agostiniana, advirto o leitor, essas relações são reais, eternas e constituem o ser de cada pessoa da Trindade.
É especialmente inovadora sua concepção de que as pessoas divinas são relações subsistentes. Contra a lógica aristotélica que reduzia tudo às categorias de substância e acidente, Agostinho apresenta a relação como categoria fundamental para entender a distinção na unidade divina. Isso lhe permite afirmar com profundidade:
Não há, pois, senão um bem simples e, consequentemente, senão um bem imutável – Deus. E este bem criou todos os bens que, não sendo simples, são, portanto, mutáveis. Digo, precisamente, criou, isto é, fez, e não gerou. É que o que é gerado de um ser simples é simples como ele e é o mesmo que aquele que o gerou. A estes dois seres chamamos Pai e Filho, e um e outro com o seu Espírito Santo são um só Deus. [...] Disse que é distinto, mas não é outra coisa, porque também Ele é igualmente simples, igualmente imutável e coeterno. E esta Trindade é um só Deus e não deixa de ser simples por ser Trindade. (AGOSTINHO, 2011, XV, 7, p. 511).
Essa formulação não apenas responde aos desafios da época, como o arianismo, que negava a divindade do Filho, como também estabelece a base da doutrina trinitária para toda a tradição ocidental da qual os cristãos, em sua grande parte seguem hoje. A originalidade de Santo Agostinho também aparece na forma como entende o Espírito Santo: como o amor que une o Pai e o Filho. Isso torna o Espírito o elo da comunhão entre as duas outras pessoas, e por isso ele é chamado “Dom” (donum), expressão que remete à sua função de outorgar a graça divina.
Santo Agostinho, ao afirmar a “processão” do Espírito do Pai e do Filho (doutrina conhecida como filioque), também rompe com certas formulações do Oriente, que viam o Espírito como procedente apenas do Pai. Para ele, não se trata de subordinar o Espírito, mas de expressar a unidade inseparável da operação divina. O Espírito é, portanto, a personificação do amor entre Pai e Filho, e essa relação é também eterna e substancial.
Todo esse esforço intelectual, porém, não afasta Santo Agostinho de uma atitude de humildade e oração. Ele escreve A Trindade não apenas como teólogo, mas como homem em busca de Deus. Suas investigações são constantemente entrecortadas por súplicas e confissões de sua limitação diante do mistério, o que torna a obra ainda mais fascinante, ele, enquanto escreve a obra, pede a Deus revelações para tal mistério, por isso, talvez tenha demorado tantos anos para sua conclusão. O saber, para Santo Agostinho, não tem fim em si mesmo, mas é um meio de amar mais profundamente a Deus, aquele que está além de toda compreensão, mas que se deixa encontrar pelo coração que crê.
Tremedal - BA, 26 de julho de 2025.
Referências:
AGOSTINHO, Santo. A Trindade. Tradução de Maria das Graças Souza. São Paulo: Paulus, 2011. (Coleção Patrística, v. 33).
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