Por: Cleiton Jesus Matos
Discente | Filosofia | UESB
A filosofia de Plotino, um dos grandes nomes do neoplatonismo, é marcada por uma tentativa profunda de compreender o Uno como princípio supremo de toda a realidade. Inspirado sobretudo em Platão, Plotino reorganiza a tradição platônica à luz de uma metafísica da interioridade e da ascensão da alma. Seu sistema de pensamento gira em torno da ideia de que tudo o que existe emana do Uno, o que seria umas espécie de realidade absolutamente simples, transcendente e indescritível, sem que este perca sua unidade ou se modifique no processo. As chamadas "emanações" (ou processões) são, portanto, modos sucessivos de manifestação do Uno, resultando em três hipóstases principais: o Uno, o Intelecto (Nous) e a Alma (Psyché).
O Uno, em Plotino, é a fonte absoluta de tudo, e ao mesmo tempo transcende tudo. Ele está para além do ser, do pensamento e da multiplicidade. Não se pode falar propriamente do Uno como algo que "é", pois isso já implicaria alguma forma de determinação ou limite, e o Uno é precisamente aquilo que está além de toda determinação. Em suas palavras: “Tudo o que é múltiplo precisa de alguma unidade para subsistir; portanto, o princípio de todas as coisas deve ser absolutamente simples e uno” (PLOTINO, Enéadas, V.4.1).
Dessa unidade radical do Uno, brota o Intelecto, não como um ato de criação deliberada, mas como um transbordamento necessário, uma emanação inevitável da plenitude do Uno. O Intelecto, ou Nous, é a esfera das ideias, o mundo inteligível que contém as formas platônicas. É o primeiro ser após o Uno, e já possui uma estrutura dual: contempla a si mesmo e conhece as Formas. Plotino explica: “O Intelecto contempla o Uno, e, ao mesmo tempo, volta-se para si mesmo, e ao fazê-lo engendra em si as Formas; assim, ele é pensamento e objeto do pensamento, sendo, portanto, o verdadeiro Ser” (PLOTINO, Enéadas, V.1.7).
A seguir, da contemplação do Intelecto surge a Alma, a terceira hipóstase. A Alma é responsável por animar o mundo sensível e estabelecer a ponte entre o mundo inteligível e o mundo material. Ainda participa da unidade, mas com menor intensidade. Assim como o Intelecto contempla o Uno, a Alma contempla o Intelecto e, por isso, gera o cosmos visível. Plotino afirma: “A Alma, contemplando o Intelecto, tornou-se bela e fecunda; ela desejou comunicar ao mundo inferior aquilo que contemplava, e assim deu forma à matéria, fazendo dela uma imagem do mundo inteligível” (PLOTINO, Enéadas, IV.8.6).
Essas emanações não implicam uma perda para o Uno, nem um deslocamento no tempo. Elas são atemporais e não comprometem a unidade suprema. O Uno permanece inalterado e intacto, pois doar não é um ato de empobrecimento, mas de superabundância. Como diz Plotino, “O Bem é como o sol: ele não se esgota por iluminar as coisas; ao contrário, é por ser pleno que irradia” (PLOTINO, Enéadas, V.2.1).
A questão da alma humana insere-se nesse contexto metafísico. Sendo parte da Alma universal, a alma individual também possui origem divina e capacidade de ascensão. O destino próprio da alma é retornar à sua origem por meio da purificação, da contemplação e da união mística com o Uno. A queda da alma no mundo sensível é uma espécie de distração ou esquecimento de si mesma. Mas mesmo neste estado, ela conserva um elo com o divino. Assim, Plotino escreve: “Devemos subir novamente até o Bem supremo, de onde nossa alma partiu, como filhos que retornam ao lar paterno” (PLOTINO, Enéadas, I.6.8).
Essa dinâmica ascendente, isto é, o retorno do múltiplo ao Uno é o movimento inverso da emanação. É o caminho da filosofia verdadeira, que consiste não apenas em saber, mas em tornar-se aquilo que se contempla. A sabedoria, para Plotino, culmina na experiência mística da união com o Uno, em um êxtase que transcende o pensamento discursivo e as distinções da consciência. Ele relata: “Muitas vezes despertei da minha identidade corpórea para entrar em mim mesmo, e, penetrando em meu interior, contemplei uma beleza maravilhosa; então me tornei uno com o divino” (PLOTINO, Enéadas, IV.8.1).
A filosofia de Plotino não é, portanto, uma cosmologia abstrata, mas uma espiritualidade rigorosa, ele destaca que o ser humano pode reencontrar sua origem e finalidade na unidade absoluta. Sua doutrina das emanações é uma tentativa poderosa de resolver o paradoxo entre a multiplicidade do mundo e a unidade do princípio, sem recorrer à criação ex nihilo ou à separação dualista. Ao emanar, o Uno não se divide; ele permanece intacto, sendo a fonte de toda realidade.
Deixo abaixo uma imagem das emanações segundo Plotino:
Referência
PLOTINO. Enéadas. Trad. Mário da Gama Kury. 2. ed. Brasília: Editora da UnB, 1991. (Coleção Os Pensadores).
Tremedal - BA, 31 de julho de 2025.
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