Por: Cleiton Jesus Matos
Discente | Filosofia | UESB
No Culto de hoje:
Imagine por um instante que Deus não criou o homem.
Agora, também por um instante imagine que foi o homem quem criou Deus.
NÃO! Isso não foi uma blasfêmia, isto é Filosofia. E mais especificamente, é Ludwig Feuerbach em seu estado mais puro.
Feuerbach, foi um filósofo alemão que se atreveu a colocar o divino sob o microscópio da razão humana. propôs uma ideia que até hoje, ressoa como um trovão surdo no fundo da alma cristã: "Deus é apenas a essência do homem projetada para fora de si mesmo."
Segundo Feuerbach, a religião não é a revelação de um ser supremo, mas a exteriorização dos desejos, sentimentos e ideais humanos. Em outras palavras, o que chamamos de Deus é um espelho onde a humanidade projeta aquilo que tem de mais nobre: amor, vontade, razão e que, paradoxalmente deixa de reconhecer como sendo seus atributos.
Desde o primeiro capítulo de A Essência do Cristianismo, Feuerbach finca sua tese: o que diferencia o homem do animal é a consciência “os animais não têm religião” (FEUERBACH, 2013, p. 35). Mas essa consciência é mais do que saber que existimos: ela é a capacidade de nos vermos no outro, de reconhecer nossa essência como parte de um gênero comum. E essa exatamente essa consciência que segundo ele, a religião distorce. A religião sequestra nossos predicados mais belos, o amor, a razão, a vontade e os projeta num ser metafísico, intangível, para depois dizer: “Não, isso não é seu. Isso é de Deus". Mas como recusar o que nos é próprio? “O homem é para si ao mesmo tempo eu e tu; ele pode se colocar no lugar do outro exatamente porque o seu gênero, a sua essência, não somente a sua individualidade, é para ele objeto” (FEUERBACH, 2013, p. 36).
O filósofo afirma com firmeza: “A consciência do infinito não é nada mais do que a consciência da infinitude da consciência” (FEUERBACH, 2013, p. 36). Ou seja, não há nada além daquilo que a própria consciência humana possa imaginar. Mais ainda: os sentimentos religiosos mais profundos não são gritos da alma por um outro mundo, mas ecos do nosso próprio mundo interior. “O sentimento é ateu” (FEUERBACH, 2013 p. 43), no sentido de que ele não reconhece nenhum objeto externo como fonte, ele é completo em si. Assim, Deus não seria uma entidade objetiva, mas o reflexo dos nossos anseios mais íntimos: a necessidade de sentido, de proteção, de eternidade.
Para ele, a teologia cristã é uma forma sutil (e eficaz) de alienação: ela toma os atributos essenciais do homem e os exila num céu abstrato. “O homem transporta primeiramente a sua essência para fora de si, antes de encontrá-la dentro de si” (FEUERBACH, 2013, p. 45). Para que o leitor perceba, é como se o ser humano tivesse medo da própria grandeza, então a entrega a uma divindade. Cutucando mais uma vez, essa ideia de projetar fora o que há de melhor dentro de nós é um mecanismo poderoso. Afinal, é mais fácil adorar do que realizar. Mais simples temer a Deus do que se responsabilizar pela própria liberdade. Como já dizia Sartre, séculos depois: estamos condenados à liberdade.
Outro golpe duro que o filósofo alemão desfere contra a teologia é o resgate da natureza. Na tradição cristã, a natureza (na linguagem dos protestantes: o mundo) foi muitas vezes rebaixada, vista como algo corrupto, inferior ao espírito. Mas Feuerbach vira a mesa: se existe algo do qual realmente dependemos, é dela. “Se algo deseja se caracterizar enquanto inseparável do humano... isso deveria ser a natureza e não um ser metafísico” (FEUERBACH, 2013, p. 43). A natureza, diz ele, é objetiva, concreta, finita e é exatamente isso que a torna tão temida pelas religiões. A religião quer vencer a morte, abolir o corpo, transcendê-lo. "Mas, ao fazer isso, esquece que é o corpo que ama, deseja, sofre e pensa. Somente o túmulo do homem é o berço dos deuses” (FEUERBACH, 2013, p. 47). A religião nasce do medo da morte, da dor, da impotência. E é por isso que Feuerbach não odeia a religião: ele a compreende. Mas nos exorta a superá-la.
Para finalizar, Feuerbach não quer nos fazer ateus no sentido vulgar do termo. Ele quer algo mais radical: que nos tornemos conscientes de que somos deuses para nós mesmos.
“A oposição entre o divino e o humano é apenas ilusória [...] o objeto e o conteúdo da religião cristã é inteiramente humano”
Referências:
FEUERBACH, Ludwig. A Essência do Cristianismo. Trad. José da Silva Brandão. Petrópolis: Vozes, 2013.
Tremedal - BA, 27 de julho de 2025.
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