terça-feira, 29 de julho de 2025

A ALMA (DE ANIMA) SEGUNDO ARISTÓTELES

 

Por: Cleiton Jesus Matos
Discente | Filosofia | UESB

Por que você está vivo? O que faz de você um ser consciente e racional? Para Aristóteles, a resposta está naquilo que os antigos chamavam de "alma", mas não do jeito que você imagina.

A reflexão sobre a alma ocupa um lugar central na filosofia aristotélica. Em oposição à visão platônica e a cristã (que se embebedou desta fonte) que concebem a alma como uma substância separada e eterna, Aristóteles propõe uma abordagem mais concreta e orgânica. Para ele, a alma não é algo que o corpo possui como um acessório, mas sim o princípio que dá vida ao corpo, sua forma substancial. A alma, portanto, é o que explica o funcionamento dos seres vivos, desde os vegetais até os seres humanos.

No tratado De Anima, Aristóteles define a alma como "a forma de um corpo natural que possui a vida em potência" (ARISTÓTELES, 2002, p. 57). A alma é o que torna possível que um corpo seja vivo, funcionando como o princípio vital que anima o organismo. Como ele afirma:

A alma é, pois, substância no sentido da forma de um corpo natural que tem a vida em potência. [...] A alma não é separável do corpo, ou pelo menos algumas partes dela não são, se é que ela tem partes; pois a atualidade de algumas de suas partes pertence necessariamente ao corpo (ARISTÓTELES, 2002, p. 57).

Essa citação mostra que Aristóteles recusa a separação radical entre corpo e alma. Ele reconhece que há aspectos da alma que não podem ser compreendidos sem referência ao corpo, como as funções nutritiva e sensitiva. Assim, ele propõe uma teoria hilemórfica do ser vivo: todo ente composto de matéria (hylé) e forma (morphé), sendo a alma a forma que atualiza a matéria corpórea viva.

A alma, segundo Aristóteles, possui três funções principais: a nutritiva (própria dos vegetais), a sensitiva (presente nos animais) e a racional (exclusiva dos seres humanos). Essa hierarquização mostra um claro paralelismo com a sua teoria dos seres vivos, que varia conforme o grau de complexidade. Nos humanos, a alma racional é a mais elevada, sendo a única capaz de pensamento abstrato e conhecimento universal.

Entre as partes da alma, algumas são irracionais, e outras, dotadas de razão. Entre as irracionais, uma parece comum a todos os seres vivos — vegetais inclusive —, e é responsável pela nutrição e crescimento (ARISTÓTELES, 2002, p. 71).

A função nutritiva garante a sobrevivência, a sensitiva permite a percepção e o movimento, e a racional proporciona a reflexão e o conhecimento. A alma racional, no entanto, possui uma peculiaridade: é a única que pode existir separada do corpo, o que faz Aristóteles admitir certa exceção à sua própria regra da inseparabilidade entre alma e corpo. Em um trecho enigmático e objeto de amplas interpretações na história da filosofia, ele escreve:

O intelecto parece ser uma substância que existe de fato, e não se mistura com o corpo, sendo impassível e separado, pois é o que é por si mesmo. [...] Não se pode dizer que o intelecto é esta ou aquela coisa antes de pensar, e por isso não é, em ato, nenhum ser determinado antes de pensar, mas apenas em potência (ARISTÓTELES, 2002, p. 129).

Com isso, Aristóteles parece indicar que, diferentemente das demais funções da alma, o intelecto puro (nous) não depende do corpo. É essa a parte que mais se aproxima do imortal, ainda que o estagirita não se comprometa com uma doutrina da imortalidade pessoal clara como a de Platão. A ambiguidade aqui gerou diversas interpretações posteriores, como a dos comentadores árabes (Averróis, Avicena) e a dos escolásticos medievais.

Mas, mesmo neste contexto, fica claro para nós que Aristóteles entende a alma como sendo a forma do corpo vivo, indissociável da matéria na maioria de suas funções, mas com uma exceção possível no caso do intelecto. Sua teoria permite pensar a vida em continuidade com a natureza e compreende a alma não como substância autônoma, mas como princípio organizador. O pensamento aristotélico lança, assim, as bases para uma psicologia filosófica que une biologia e metafísica, corpo e espírito, forma e matéria.

Para efeito didático, deixo abaixo uma imagem que representa os níveis da alma.



Referência:

ARISTÓTELES. Da alma. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim. São Paulo: Abril Cultural, 2002. (Os Pensadores)


Tremedal - BA, 29 de julho de 2025.


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