quarta-feira, 6 de agosto de 2025

A ARTE DE NADA FAZER: VAGABUNDAGEM COMO CAMINHO PARA FELICIDADE

 


Por: Cleiton Jesus Matos
Discente | Filosofia | UESB

Esse texto surge apenas como uma reflexão provocadora nesse mundo implacável da produtividade,

Nos dias atuais, a sociedade cultua a produtividade como virtude suprema, a vagabundagem é tratada como pecado. Quem nada faz, aos olhos do senso comum, desperdiça tempo, vida e potencial. No entanto, talvez resida aí, nesse ócio não domesticado, nessa recusa do relógio, nesse vagar sem destino, a chave de uma vida mais leve, mais livre e, paradoxalmente, mais feliz. Longe de ser mero desleixo ou irresponsabilidade, a vagabundagem, quando refletida, pode representar um ato filosófico de resistência e um pré-requisito essencial para a experiência da verdadeira felicidade.

A crítica à tirania do trabalho e da produtividade não é nova. Bertrand Russell, em seu ensaio provocativo Elogio ao Ócio (1935), afirma que “o tempo livre, se bem utilizado, é o principal ingrediente da civilização”. Para ele, o trabalho deveria ocupar menos tempo da vida humana, permitindo que as pessoas cultivassem o espírito, o pensamento, a arte, e o simples prazer de estar vivo. A felicidade, nesse contexto, nasce da liberdade: liberdade para pensar, contemplar, criar e, por que não, não fazer nada.

Mas esse "nada" está longe de ser vazio. Schopenhauer, por exemplo, via o mundo como guiado por uma vontade cega e incessante, uma força que nos impulsiona ao desejo constante, ao esforço contínuo, e, portanto, ao sofrimento. Nesse cenário, o vagabundo é uma figura subversiva: ele recusa-se a ser engolido pelo ciclo da vontade. Ao parar, ao descansar, ao viver sem planos produtivos, ele encontra momentos de suspensão do desejo e, com isso, talvez, uma forma de paz interior que o mundo produtivista desconhece.

Nietzsche, por sua vez, também poderia ser convocado para essa conversa. Em Assim Falou Zaratustra, ele critica os homens que vivem como engrenagens de um sistema, elogiando o espírito livre, aquele que ousa criar novos valores e caminhar conforme sua própria música. O vagabundo filosófico, nesse sentido, não é o que foge da vida, mas o que a vive em seus próprios termos, recusando-se a reduzir sua existência à utilidade ou à eficiência. Sua "vagabundagem" é, na verdade, um modo de exercer sua vontade de potência, uma expressão de autonomia radical.

No extremo oposto da vagabundagem está o homem unicamente funcional, que vive para produzir e consome para continuar funcionando. Esse homem, descrito por Byung-Chul Han em A Sociedade do Cansaço, é um sujeito exausto, autoexplorado, prisioneiro da positividade e da performance. Ao contrário do vagabundo, ele nunca descansa verdadeiramente, e sua liberdade é apenas uma ilusão. A felicidade, nesse mundo hiperativo, é vendida como produto, mas raramente experimentada como estado de espírito.

É necessário, portanto, reivindicar a vagabundagem como uma forma de sabedoria. Ela não é preguiça crua, mas a arte de não se render completamente à lógica do mercado, da produção, da pressa. É o espaço do ócio criador, do pensamento livre, da contemplação. É o momento em que o ser humano se reconecta com sua interioridade e com a gratuidade da existência.

Ao fim, talvez a felicidade esteja justamente em não buscá-la com tanta ânsia. Talvez ela aconteça quando deixamos de correr atrás de metas e nos permitimos simplesmente estar, sentir, existir. Vagabundear pode ser, então, um gesto filosófico de lucidez: o reconhecimento de que a vida é mais que fazer, produzir ou vencer, ela também é: repousar, observar, bocejar ao sol e rir à toa.

Tremedal - BA, 06 de agosto de 2025.

Quem me dera ser mais sagaz! Como a serpente!

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